Este artigo é inspirado em minha participação na mesa redonda sobre permacultura urbana que rolou no último ENSUS – Encontro de Sustentabilidade em Projeto, realizado em maio de 2019 em Florianópolis.

Trabalho com bioconstrução há mais de 15 anos, desde que me formei. Minha trajetória envolve muitos contextos e atuações em diferentes regiões do Brasil. Uma das experiências de trabalho mais ricas que vivi foi quando trabalhei com habitação rural no Oeste Catarinense, que acabou gerando minha dissertação de mestrado. Atualmente tenho escritório em Florianópolis e venho expandindo as obras em meio urbano.

Assim que quando me pediram para falar sobre bioconstrução urbana, a primeira coisa que me veio à mente é o contraponto urbano – rural. Está claro que se tratam de realidades com características estruturantes totalmente diferentes, nas esferas sociocultural, ambiental e socioeconômica. Além do mais, as realidades são muito diversas quando pensamos a nível de Brasil, tanto no urbano quanto no rural. Mas é interessante perceber que, quando realizamos uma busca simples pelo termo habitação de interesse social urbana ou rural, nos deparamos com tipologias parecidíssimas e com os mesmos materiais empregados.

Figura 1: Exemplo de casa rural, à esquerda (fonte www.epagri.com.br) e conjunto habitacional à direita (Image © Otávio Nogueira, via Flickr. Licença CC BY 2.0)

Então como tratar dessa temática com tanta diversidade? Aqui entra a bioconstrução, quando vista sob a ótica da permacultura. Pois quando iniciamos um projeto de edificação, partimos do mesmo ponto: avaliar o lugar como único. Nessa análise inicial, levaremos em consideração o clima e o microclima, as energias incidentes no terreno, o contexto próximo, os recursos disponíveis entre tantos outros critérios para avaliação. Onde quero chegar: independentemente de ser no urbano ou no rural, no Norte ou no Sul, devemos enxergar cada caso como único e com suas peculiaridades. Evidentemente que devemos abarcar as esferas econômica e social, além de questões ambientais, e isso será tema para muitos outros artigos.

Mas como entra a bioconstrução no meio urbano? De que forma pode contribuir para os problemas das cidades? E, principalmente: faz sentido fazermos uma casa de terra na cidade, sendo que temos que trazer de longe os materiais de construção? Buscando essa reflexão, trarei a temática em uma série de artigos que possam contribuir com tomadas de decisão na hora de construir ou reformar.

Faz sentido sim. São muitas as soluções para uma arquitetura sustentável, e a bioconstrução se diferencia por utilizar principalmente materiais naturais. O bambu por exemplo, é facilmente encontrado em muitos meios urbanos. Pode ser coletado, tratado e usado nas edificações, reduzindo o custo (leia-se custo de uma maneira mais ampla, para além do financeiro) com madeira. Como exemplo destaco esta obra que insere peças de bambu em uma estrutura de woodframe – que depois será vedada com barro.

Figura 2: Uso do bambu em conjunto com woodframe. Projeto e execução: Margem Arquitetura.

A terra também pode ser utilizada, mesmo se os terrenos urbanos não tenham a quantidade necessária de terra ou se não exista no local o tipo de terra adequado para ser usada como material de construção. Se precisarmos comprar a terra, teremos o custo com transporte, mas ainda assim estamos falando de um material pouco processado, abundante na natureza, de baixo impacto ambiental, saudável e com inúmeras possibilidades de aplicação.

Figura 3: Exemplo de aplicação de várias técnicas de construção com terra em uma residência urbana. Projeto e execução do Arq. Michel Habib Gatthas. Fonte da imagem: www.sustentarqui.com.br

Outro potencial é a utilização de lixo e de materiais de demolição. O uso destes pode reduzir consideravelmente o custo da obra, e pode ser acessado através de comércio existente nas cidades, que pode oferecer peças interessantes em briques e lojas especializadas. É uma questão de ter disponibilidade para garimpar! Além do mais, destaco o trabalho do Michael Raynolds que utiliza o lixo de forma primorosa nas edificações. Como vantagens, reduzimos a necessidade de fabricação de novos materiais e alargamos a vida útil dos existentes.

São muitos os caminhos em direção à sustentabilidade na arquitetura. O perfil dos futuros usuários, o propósito da edificação desde a etapa de projeto até sua ocupação e as condições locais podem ser determinantes na escolha ou não pelos materiais naturais. Cada ato pode ajudar a minimizar os impactos ambientais e, no fim das contas, a escolha das técnicas nada mais é do que optar por um tipo de consumo mais consciente.