Saneamento ecológico: por que tratar adequadamente o esgoto de sua residência
Saneamento ecológico: por que tratar adequadamente o esgoto de sua residência
Quando idealizamos a casa dos nossos sonhos geralmente pensamos na estética, na posição das janelas e portas, onde será o quarto, o banheiro e cozinha e por aí vai. Mas infelizmente ainda é pequeno o número de pessoas que se preocupa para onde vai o esgoto e de onde vem a água da torneira. Seria porque vivemos numa cultura onde terceirizamos tudo e pensamos que a obrigação é do governo e das empresas que fazem a gestão do uso da água e do esgoto em nossa cidade?
Ou você acha que já chegou a hora de repensarmos como fazemos a gestão dos resíduos, do uso da água e do esgoto começando pela nossa própria casa? Digamos que uma responsabilidade não exclui a outra, mas para os interessados em conhecer sobre o universo do saneamento ecológico compartilhamos a entrevista com o engenheiro ambiental, Tiago Guedes, doutorando em tratamento de água e efluentes pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O engenheiro esclarece quais os benefícios de um tratamento ecológico de efluentes e qual a importância de pensar em alternativas na hora de construir ou de reformar sua casa. Segundo o pesquisador, sistemas baseados no saneamento ecológico já são uma realidade no Brasil, seja para tratamento de esgoto ou aproveitamento de água de chuva em residências unifamiliares, pousadas, restaurantes até condomínios residenciais.
Confira a entrevista:
M.A. Qual a diferença entre saneamento ambiental e saneamento básico? Qual a situação do saneamento básico no Brasil?
Tiago Guedes: Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): Saneamento ambiental é o controle dos fatores ambientais que podem exercer efeitos nocivos sobre o bem-estar físico, mental e social dos indivíduos. Em termos práticos saneamento ambiental envolve as ações voltadas para a manutenção da saúde dos seres humanos e proteção ao meio ambiente. Estas ações compreendem o que é chamado de saneamento básico, que envolvem os serviços de coleta e tratamento de efluentes (esgoto), tratamento e distribuição de água para consumo, drenagem de águas pluviais e coleta e disposição adequada de resíduos sólidos.
No Brasil, dentre os serviços que compõem o saneamento básico, o tratamento e distribuição de água potável é o que tem a maior cobertura e a coleta e tratamento de esgoto é o mais defasado.
M.A. Quais os tipos de sistemas alternativos de esgoto? Tem exemplos de onde já se utilizam sistemas de saneamento alternativo pelo Brasil e na Ilha de Florianópolis?
T.G. Existe uma vertente do saneamento denominada saneamento ecológico, que busca imprimir um menor impacto às atividades humanas. Um grande diferencial é separar os efluentes gerados em uma residência em águas cinzas (chuveiro, pias, tanques e máquina de lavar) e águas negras (vaso sanitário), pois possuem diferentes composições e consequentemente o tipo de tratamento é diferente também.
Dentro desta vertente existem diversas técnicas de tratamento de esgoto e diversas combinações possíveis dessas tecnologias. Dentre as tecnologias mais usadas posso citar o tanque de evapotranspiração, tanque séptico, filtro anaeróbio, vala de infiltração e evapotranspiração e filtros plantados (wetlands). Como exemplos posso citar um projeto realizado em parceria com a Margem Arquitetura, a Pousada Moana Zen, que conta com aproveitamento de água de chuva e tratamento de esgoto ecológico. Outro exemplo é um condomínio residencial, localizado em Palhoça, onde o esgoto produzido é tratado através de um reator anaeróbio seguido de filtros plantados (wetlands).
Em nível residencial são inúmeras iniciativas tanto aqui em Florianópolis como no Brasil. A maioria dos projetos que realizei foi para residências, acredito que a pessoa física acaba se interessando mais por estes sistemas. Posso destacar também o trabalho da empresa Baobá Tec (Caminhos da Sustentabilidade) que já implantou alguns sistemas alternativos de tratamento de esgoto em Santa Cataria e no Paraná para residências unifamiliares.
M.A. Como a legislação brasileira vê essas alternativas de tratamento de esgoto? Existe alguma normativa na construção civil?
T.G. A legislação brasileira ainda não enxerga com bons olhos essas iniciativas, justamente pelo fato de muitas técnicas ainda não estarem normatizadas. Mas somente não estão normatizadas, pois já vem sendo respaldadas tecnicamente por profissionais e pesquisadores em diversos países.
Dessa forma, os órgãos que avaliam os projetos de sistemas de tratamento de esgotos só aprovam o que já está normatizado. Mas acredito que o caminho para a aprovação de sistemas alternativos, seria submeter o maior número possível destes projetos, com subsídios técnicos e científicos, aos órgãos públicos, para que eles reconheçam essa vertente como técnicas eficazes e dessa forma comecem a aprovar.
M.A. Quais são as vantagens de construir um sistema de tratamento de esgoto alternativo? O que as pessoas ganham com isso?
T.G. A primeira vantagem é o benefício direto ao meio ambiente. Os sistemas baseados no saneamento ecológico buscam reduzir o impacto, dessa forma as técnicas são escolhidas de acordo com as características locais.
As pessoas que optam por este tipo de sistema além de minimizar o impacto de suas atividades acabam preservando a própria saúde. Por exemplo, a forma mais comum de disposição final de efluente é o sumidouro, o qual normalmente contamina o lençol freático. A mesma pessoa pode acabar captando essa água contaminada para o consumo.
M.A. Em termos de custos, é mais caro? A mão de obra precisa ser especializada? Quais são os prós e contras?
T.G. Geralmente as pessoas não compreendem a importância dos sistemas de tratamento de esgoto e dessa forma querem economizar com este item no momento da construção. Então, muitas vezes optam por deixar a construção destes sistemas nas mãos dos pedreiros, sem um projeto de dimensionamento, tornando o custo mais baixo. Considerando que independente do sistema, seja ele convencional ou alternativo, sim é necessário um projeto de dimensionamento realizado por um profissional capacitado para isso, os custos podem se equivaler dependendo do caso.
Os sistemas convencionais podem sair mais baratos em alguns casos, pois não levam em consideração as especificidades de cada local, ou seja, é um tipo de sistema para qualquer casa, variando apenas o volume em função do número de moradores.
Em regiões litorâneas como Florianópolis, muitos locais não são indicados a disposição de efluentes em sumidouros, pois o lençol freático é alto e pode contaminá-lo com essa prática. Porém isso não é levado em consideração por um pedreiro na hora de construir.
Cisterna Comunitária – Arquivo Baobá Tec.
M.A. O que você indica para as pessoas que buscam esse diferencial?
T.G. Eu indico primeiramente que as pessoas busquem informações a respeito. Que pesquisem sobre sistemas de saneamento ecológico, que conversem com pessoas que tem algum conhecimento na área. E então que procure um profissional capacitado para junto buscar a melhor opção de tecnologia para o caso específico, a fim de projetar e dar orientações de como construir, operar e realizar manutenção dos sistemas.
Tiago Guedes é engenheiro ambiental, Doutorando em Tratamento de água e efluentes pela UFSC, pelo Laboratório de Potabilização da Água – LAPOA. Já desenvolveu inúmeras iniciativas relacionadas ao saneamento ecológico e é responsável por projetos hidrosanitários desenvolvidos em parceria com a Margem Arquitetura.